CISTO DE OVÁRIO
(* de como um exame de rotina pode mudar a sua vida).
Uma mulher, assintomática, faz uma consulta de praxe com sua ginecologista, na qual é solicitado (só para não perder o costume) um ultrassom transvaginal. No laudo do exame, lido pela médica na consulta de retorno uma semana depois - em silêncio sepulcral e com a testa enrugada -, vem algo do tipo escrito: “ovário direito com formação cística, de paredes delgadas, conteúdo anecoico”.
A médica, por inexperiência ou quem sabe desinformação, interpreta aquele resultado de forma totalmente equivocada. Emposta a voz, veste um semblante de extrema preocupação e informa: VOCÊ ESTÁ COM UM CISTO NO OVÁRIO! E continua explicando, entonando de forma a causar impacto em sua paciente: “Você tem um caroço que esta crescendo dentro de você. Um tumor, mas é benigno. Vou ter que te passar uns remédios, anticoncepcionais, que você vai tomar por dois anos, para ver se a gente consegue acabar com esse CISTO”.
A mulher, que era uma pessoa feliz e absolutamente saudável até então, sai do consultório extremamente preocupada, sentindo-se já portadora de uma nova doença. Ansiosa, não procura uma segunda opinião, passa na farmácia e já começa a fazer uso do remédio recomendado. À noite, dominada pelo medo, tem dificuldade para dormir.
Ao despertar pela manhã, tudo está diferente. De alguma forma inexplicável sua vida parece haver mudado. Acorda com um nó na garganta e o estômago embrulhado. Sai para trabalhar sentindo uma receio que ela não consegue definir. Começam a aparecer sintomas que ela não é capaz de diferenciar se causados pelo remédio ou pelo cisto recém diagnosticado.
Poderia alongar-me projetando a odisseia clínica dessa pobre mulher, vítima da interpretação equivocada de um exame solicitado sem critério, apenas como rotina. Posso vê-la vagando pelo mundo cada vez mais ansiosa, depressiva e preocupada com a vida, queixando-se de sintomas inespecíficos, até tornar-se uma pessoa hipocondríaca. Posso vê-la indo ao médico com frequência, por dores que nem ela mesmo consegue explicar, até ser diagnosticada com fibromialgia, doença cada vez mais comum em mulheres de meia idade, para a qual serão prescritos ansiolíticos e antidepressivos.
Toda essa novela porque não foram cumpridos certos preceitos básicos da medicina, tida agora como clássica: preponderância da clínica sobre exames complementares; diagnóstico sindrômico, conjunto de sinais e sintomas. Percebam que nesse caso, foi o exame complementar e a própria médica que introduziram uma doença (inexistente) na vida daquela mulher.
Cistos funcionais de ovários são achados demasiadamente comuns. São assintomáticos. Não são doenças. Só são identificados porque solicitamos ecografias de rotina. É um achado aleatório.
Qual deveria ter sido a conduta dessa médica?
Ter feito a consulta direcionada a conhecer sua paciente, estabelecer vínculo, entender sua vida, sua forma de pensar; sanar dúvidas, interrogar sobre sintomas que ela talvez subestimasse; examiná-la, à procura de um sinal relevante. Solicitar o ultrassom transvaginal, na ausência de qualquer elemento clínico justificante, foi seu primeiro erro. O segundo, muito mais grave, foi não ter dito algo do tipo na consulta de retorno: “Muito bem! Sua saúde está perfeita. Seja feliz!
“Mas... e esse cisto no ovário?”.
“É um cisto funcional, totalmente irrelevante do ponto de vista clínico. Tem a ver com a ovulação, não oferece risco algum, logo desaparece”.
Comentários
Postar um comentário