HISTÓRIAS QUE CONFUNDEM

O cara vinha consultando há um bom tempo por emagrecimento. Tinha perdido 9 kg em dois meses, além de sentir-se apático e com “fraqueza nas pernas”. Era sua quinta consulta, apesar de ter feito os mais variados exames – solicitados por outros médicos – para descartar anemia, diabetes, tireoidopatias. Rapaz jovem, 39 anos, trabalhador manual, sem sinal algum de doença orgânica ou sistêmica. 
Notei, entretanto, que, apesar de seu excelente aspecto físico, suas sobrancelhas repousavam levemente arqueadas, e seu olhar jazia um tanto sem viço. Intrometido, perguntei como andava sua vida pessoal (deveria ter um campo obrigatório no prontuário para essa pergunta). 
“Há dois meses minha esposa me deixou. Uma aventura: me apaixonei por outra mulher. Sabe, essas paixonites agudas? Achei que tinha encontrado a pessoa ideal. Mas tudo durou até minha esposa descobrir e ligar pra ela esculhambando. Ela ficou indignada por saber que eu era casado e saiu fora. 
“Você não disse pra ela que era casado?”.
“Disse que era enrolado. Ela meio que desconfiava. Mas não entendi sua reação. Acabei ficando sozinho”. 
Senti como o amargor do arrependimento umedeceu sua língua, e a saliva desceu-lhe raspando a úvula, mais seca que veneno.
“Nossa, que barra... Cê tinha quantos anos de casado com sua esposa?”.
“12 ANOS (e pôs ênfase no semblante, arregalando os olhos) . Temos dois filhos”.
“É meu amigo, situação complicada. Mas pra tudo na vida tem solução, né mesmo? Posso te dar minha opinião? (- Por favor). Você tem que arrumar uma forma de reconquistar sua esposa; de pedir perdão; de mostrar que ainda a ama. Tenha paciência. Com o tempo as coisas se ajeitam. Vocês têm uma historia, uma família construída...”
Algo mágico aconteceu. Foi como se minhas palavras acendessem uma luz em seu interior. Sua expressão mudou, e ele aproximou-se quase instintivamente, como quem confabula, e a conversa tomou aquele ar típico de mesa de bar. Foi como se um garçom abrisse a porta do consultório e depositasse uma cerveja estupidamente gelada sobre a mesa. 
A conversa fluiu, com opiniões trocadas naturalmente, como dois amigos antigos que se reencontram, e se solidarizam com o sofrimento e as frustrações do outro, e tentam, em sinal de camaradagem, encontrar saídas para reconquistar a mulher amada.

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