SLOW MEDICINE
Aparências nos levam a crer que o sucesso está no excesso: pratos transbordando, armários repletos, carros luxuosos, exames caros, receitas abarrotadas.
A sociedade de consumo, maquinalmente, nos educa desde cedo para uma sanha hiperbólica sem fim. E esse desenfreio, na medicina, já vem cobrando seu preço alto, em termos de desperdiço de recursos, efeitos colaterais, interações medicamentosas, resistência bacteriana, aumento da morbidade, diminuição da qualidade de vida e mortes precipitadas.
Um tênue equilíbrio deve existir entre o princípio hipocrático “primun non nocere” e o ímpeto intervencionista dos médicos, ao custo de invocarmos, se pendemos irresponsavelmente a balança para os excessos, a uma vingativa deusa da mitologia grega: Nêmesis, padroeira, segundo Ivan Illich, da iatrogenia.
Contrariando essas tendências impostas pela lógica de mercado, posiciona-se, cada vez com maior eloquência, a figura do Médico de Família, cuja missão primordial é proteger-nos dos excessos; afirmando-se como principal responsável por reguardar-nos do contato com exames e remédios desnecessários; das consultas frequentes e fragmentadas com especialistas focais, muito preocupados com seguir protocolos e alcançar metas; de coordenar o cuidado e advogar pelo doente, ainda contra sua vontade.
Acredito numa medicina que respeita o tempo do paciente e não infringe dano, em hipótese alguma; vai com calma e pesa incansavelmente riscos e benefícios, tentando potencializar os mecanismos internos de cura. Medicina de família é uma especialidade que não tem pressa, é delicada, não tolera iatrogenia. É como o traço de fino de Niemeyer: sóbrio, harmonioso, eficiente e, muitas vezes, incompreendido.
Comentários
Postar um comentário