COLEGAS, SIMPLESMENTE PAREM

Se me houvessem contado não teria acreditado. A menina tinha simplesmente começado a sentir cólicas abdominais, enjoos e uma inoportuna acidez estomacal. Preocupada, marcou consulta com o gastro no hospital Anchieta. Como de praxe, solicitou bateria de exames de sangue e uma endoscopia, para começar a avaliação. No retorno, afirmou com segurança que seu problema era gastrite e uma bactéria no estômago. Prescreveu omeprazol, dois antibióticos por 14 dias e uma dieta restrita. Cortou tanto tipo de alimento, recorda, que havia emagrecido alguns quilos e vinha sentindo fraqueza.
Seus sintomas pioraram, no entanto, e decidiu marcar consulta com outro gastro. Nao satisfeito com os exames feitos há tão pouco tempo, pediu novamente uma endoscopia. No laudo: gastrite enantematosa leve. Medicamentos, recomendações e dieta: lá foi ela de novo. 
A jovem, de 22 anos, porém, estava ficando preocupada. Que gastrite era essa que não melhorava? Por conta própria, recomendado por uma amiga, passou a tomar diariamente chá de boldo e de carqueja, além de laxantes, que era bom para a limpeza, segundo lhe contaram. 
Como tinha plano de saúde, sentindo que ainda tinha algo estranho acontecendo com ela, marcou consulta com outro médico. Dessa vez, já que os sintomas persistiam apesar dos tratamentos, pediu-lhe uma ressonância de abdome total e pelve. 
Entre os exames de sangue solicitados pelos três médicos constava (reproduzo só para dar cabida à insanidade desse modelo de atendimento): insulina basal, ferro serio, coagulograma, hemoglobina glicada, lipidograma, ureia, creatinina, ac. Úrico, fósforo, TGP, TGO, vitamina D, fosfatasa alcalina, GGT, bilirrubina, proteínas totais e frações, hepatite A e B, Ca 19/9, CEA, TSH, vitamina B12, amilase, CPK, imunoglobulina IgE total, lipase, PCR, VHS, herpes vírus. Praticamente sem consonância com o caráter investigativo de suas queixas iniciais.
No meio dessas baderna, sentindo que sua saúde ia de mal a pior, começou a apresentar corrimento vaginal, que a fez marcar consulta com uma ginecologista do mesmo hospital. No primeiro contato, lembra que a médica não lhe examinou muito bem, nem passou tratamentos; disse que era importante fazer um exame antes: uma colposcopia, depois da qual teve discreto sangramento... 
Dias depois, retornou triste ao gastro com a noticia de que seu plano de saúde não havia autorizado a ressonância. Contrariado, pediu então que fizesse um ultrassom transvaginal. No resultado, escrito em letras maiúsculas: GESTAÇÃO TÓPICA, ÚNICA, DE 24 SEMANAS! Ela estava gravida e nenhum dos quatro médicos desse afamado hospital particular havia suspeitado. 
No fim da consulta de pré-natal que fez comigo, confessou-me indignada: 
– Trabalho como atendente em uma farmácia de manipulação. Sei bem como funciona esses esquemas. O médico recebe 30% do valor de cada receita. Por isso as coisas estão desse jeito. Esse povo só pensa em dinheiro.
Senti vergonha, baixei a cabeça e a despedi com um sorriso de constrangimento.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

PERCURSO

QUEM É O CULPADO

A QUEM ME DEVO