SAÚDE NÃO SE COMPRA, SE CONQUISTA
É chato falar dessas coisas. Mas ando verdadeiramente assustado com o estrago que o dinheiro e o consumismo vêm causando nas noções de boa saúde em nosso país. Vejo pessoas enchendo a boca para falar: "Só a consulta com ele custa 500 reais!"; "Nossa. Pediu um monte de exame. Esse médico é bom!"; "Esses remédios devem ser maravilhosos, porque custam o olho da cara".
Quem dera Saúde fosse um produto que se compra no supermercado. Pelo contrário: é resultante de uma complexa interação de fatores, mas sobretudo consequência direta de nossas pequenas escolhas e, inevitavelmente, das escolhas de médicos, enfermeiros, nutricionistas, psicólogos e outros profissionais a quem submetemos nossos cuidados.
Surpreendo-me diariamente com as consequências deletérias de um modelo de assistência médica que lucra com o sofrimento alheio; um sistema que, no afã por dividendos, estimula excessos para favorecer fornecedores e investidores, sob o risco de prejudicar quem consome seus serviços.
Esse modelo de medicina consumista é ótimo para quem gosta de fingir que está se cuidando e para quem finge estar velando pela saúde dos demais. Serve mais como estímulo para quem no fundo não está disposto a sacrificar nem um milímetro do seu estilo de vida para gozar de plena saúde, e quer apenas que o médico carimbe e ateste sua inação, sua preguiça, sua inércia, auto-sabotagem, sedentarismo e péssimos hábitos, porque se sabe cúmplice de sua própria desgraça.
Consumidores desse modelo nem imaginam que muitos médicos atendem apegados a protocolos que não levam em conta a avaliação clínica global nem a individualidade dos pacientes, solicitando os mesmos exames para todos as pessoas que passam por sua consulta. Sem contar nas parcerias corporativas que alguns profissionais estabelecem com laboratórios, planos de saúde e empresas farmacêuticas, que estimulam e premiam esse tipo de conduta, intoxicando inclusive os modelos de assistência do SUS. Dói, machuca, mas é a verdade, sem exagero.
Médicos, exames, procedimentos e remédios já são a terceira causa de morte no EUA (país que tanto tentamos copiar), atrás somente das doenças cardiovasculares e câncer.
Só eu estou alarmado?
Se queremos preservar nossa credibilidade frente à sociedade, estimados colegas, e oferecer um serviço realmente de qualidade à população, necessário é abandonar o papel de bajuladores e beneficiários desse sistema, ao tempo que resistimos às demandas e vontades de pacientes que pressionam inocentemente por mais exames e remédios.
Nosso papel é transformar-nos em potentes mobilizadores de mudanças de estilos de vida (o único fator realmente de impacto em termos de prevenção de doenças e aumento da expectativa de vida); mudanças estruturantes no indivíduo e na sociedade, renunciando à armadilha do consumismo supérfluo, sem valores, ética, rigor científico e compaixão.
Nada vai verdadeiramente mudar, entretanto, enquanto usuários se contentarem com a tarefa dócil e passiva de fazer exames e tomar remédios, sem exigir um atendimento humano, digno, esclarecedor, compactuado, de qualidade, apegado às evidências científicas mais modernas.
Somente quando estiverem dispostos a imprimir mudanças substanciais em si mesmos e em seu entorno, aumentar o senso crítico e seus conhecimentos para o cuidado, conquistando, com sus próprios esforços, junto de suas famílias e comunidades, e a parceria de profissionais dedicados, a saúde que tanto almejam e merecem.
Comentários
Postar um comentário