ENCONTRO ENTRE CIVILIZAÇÕES
A freira cruzou a porta a passos lentos. Sentou-se a meu lado em silêncio e tudo, de pronto, fez-se diferente. A força do seu hábito transfigurou o ambiente, e o contraste com meu jaleco branco fez a consulta parecer um encontro entre civilizações.
Enquanto falava, seu crucifixo de madeira de uns 10 cm, pendurado à altura de seu peito, atraía inexoravelmente meu olhar, e sua pele branca arrugada, em um rosto tenaz e ao mesmo tempo melancólico, remetia-me a profundos enclausuramentos.
Contou-me fazer acompanhamento de seus padecimentos com uma médica cubana maravilhosa que descobrira no posto de saúde perto de sua casa, após ser maltratada por diversos médicos em consultas particulares. Ela era muito mais atenciosa e competente. Lamentava, porém, o fato de sentir-se obrigada a procurar outro médico, depois de alertada sobre sua duvidosa procedência: um país comunista.
"A doutora era gente boa, mas vinha de um lugar pobre e muito feio, onde as pessoas sofrem. Por isso ela veio parar aqui no Brasil".
"Olha. Eu morei quase 7 anos em Cuba. Não é bem assim como as pessoas pintam. Lá tem ateus, católicos, comunistas, evangélicos, macumbeiros convivendo todos em harmonia. É um país com inúmeras contradições, defeitos, mas lá não tem crianças na rua pedindo esmola, e as pessoas têm o hábito de dividir o que tem. Todos têm garantido alimentação básica, acesso à escola, saúde e emprego. Não existe tráfico de drogas, armas nem violência".
Fixou seu olhar no meu, surpreendida, e mansamente me escutou. Inquiriu outros detalhes, ao que respondi de forma clara e concisa. À medida que conversávamos, reparei que, paulatinamente, seus ombros iam se posicionando em situação mais confortável; sua expressão abandonava aqueles traços iniciais de apreensão, adotando lentamente tonalidades de alívio dissimulado.
Tomei coragem e estendi a mão em sua direção; agarrei seu crucifixo, tencionando levemente o cordão que trazia amarrado a seu pescoço, e com um sorriso de canto de boca questionei:
"Você acha que esse homem crucificado aqui, Jesus, se vivesse hoje, seria comunista ou capitalista?".
Levou a mão direita ao queixo, desviou o olhar, e após alguns segundos, renitente, contestou:
- É doutor, acho que ele seria comunista...
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