ADOECER OU PERDOAR
Seu sonho era ter uma filha; seu grande sonho. Tentou por anos, e ao cabo de uns tantos, cansada já de frustrar-se em hemorragias, absorventes, sangue, decidiu por adotar, tendo a sorte de receber a benção de uma bebê linda, de tão só 2 meses de vida, gestada por uma mulher pobre - conhecida de uma amiga -, sem condições para criar.
Cuidada com carinho e proteção, a menina cresceu, extremamente saudável, e na adolescência, para desgosto da orgulhosa mãe (muito religiosa), mostrou-se inclinada aos afetos homossexuais.
Sem entender como e porquê, a mulher, decepcionada, frustrada, afundou; entregou-se a redemoinhos de culpa e indignação, entrando pela via dos impropérios ao destino e aos Desígnios; até mergulhar de ponta-cabeça no aterro sanitário em que se encontra: obesidade classe III, tabagismo inveterado, depressão e ansiedade, sufocada por remédios, culpabilizada pelo marido, totalmente sem perspectiva; além de hipertensão arterial e diabetes incontroláveis.
Mirei-lhe no fundo dos olhos, opacados por difuntas olheiras, e disparei. "Não era mais fácil simplesmente aceitar sua filha tal como ela é?". "Não consigo, doutor. É mais forte que eu". E vi emergir em seu rosto, num instante, o poder do remorso e da comiseração.
Logo inclinou a cabeça, aos prantos, entalada, e silenciou.
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