PARALISIA FACIAL
Aos 25 anos, destrambelhara-se na vida: namorado novo - traficantizinho do bairro -; e tomara a difícil decisão de atualizar a mãe sobre os rumos de sua existência: era bissexual. Tinha passado a falar excessivamente em gírias nos últimos tempos, (“como pode, doutor? Tão bem criada...”), o que tornou o convívio entre elas demasiado desgastante.
Havia-lhe planejado tudo: melhores colégios, festa de debutante, formatura na pompa, casamento com homem pacato, depois do qual lhe presentearia com um apartamento mobiliado, ali mesmo no Gama, onde moravam desde que ela nascera.
Após organizar-lhe a vida, colocaria finalmente seu silicone – e apertou lascivamente os seios com a palma das mãos –, e faria a tatuagem que sempre sonhara (sinalizando com o dedo um dos flancos do abdome). Ia já pelos seus 43, irrompendo em gargalhada cada vez que lembrava “o quanto havia sido otária com a filha”. “Por que não esmurrei a cara dela?”, repetia inconformada. “Quis ser compreensiva, guardar tudo pra mim. Taí no que deu”.
Fora vítima de um colapso nervoso.
Enquanto contava a historia, observava-lhe a boca, que se mexia com invejável dicção, mas impressionava por encontrar-se incrivelmente torcida; um de seus olhos permanecia estático, petrificado, paralisado, apesar do esforço, enquanto o outro lacrimejava, vermelho, e enrugava o canto da pálpebra à procura de expressão.
Levantara-se um dia sem sentir-se muito bem, agoniada, mas mesmo assim quis ir trabalhar, continuou-me a relatar. Pegou o ônibus lotado, até a estação do metrô. Subiu pela escada rolante (o ar com intensões de querer faltar). Quando o pé ia prestes a pisar a plataforma metálica, no andar superior, trás um curto suspiro, seu corpo desabou. Sem dor.
No chão, mumificada, sem conseguir pronunciar palavra, viu como, em um segundo, toda a gente que antes caminhava sem feição, aproximou-se com olhar aceso, desperto para curiar. “Liga pro SAMU”. “Pega o celular dela”. “Tenta desbloquear”. “Avisa a família”. Achavam que estava morta, “mas eu via tudo, doutor; escutava, pensava, só não conseguia falar, nem me mexer”.
Imaginei perfeitamente a cena, estimulado por seu humor sádico, sem autopiedade. Curioso, e vidrado com sua capacidade de zombar da própria desgraça, quis saber quê pensamentos vieram-lhe à mente nesse momento fatídico, sufocada em círculo pelo público da estacão.
“Só pensei nos nudes que tinha no celular, doutor. Nos NUDES...”
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