NARCO-MEDICINA

“O médico da minha cidade, no interior do Piauí, disse que o problema dela era sério; que precisava fazer uma consulta em Teresina com urgência, numa outra clínica que ele indicou...”
A paciente era surdo-muda, muito humilde, e vinha acompanhada da mãe e da irmã mais velha, ambas com cara de espanto e apreensão.
“Pensei... vou levar ela é pra Brasília; que sai mais barato e lá já resolvo tudo que precisar...”
“Trouxemos aqui o exame, doutor, que ela fez lá no Piauí”.
Pela qualidade do papel do laudo, parecia ser uma daquelas clínicas de procedência bem duvidosa. Era o resultado de uma mamografia, que me detive para ler em detalhe. Desci o olho, e lá estava: classificação... BIRADS 2. Recomendação: repetir anualmente.
“Ué... quê estranho”, pensei comigo mesmo. Pedi que a paciente se deitasse e examinei detidamente suas mamas. O único detalhe interessante, era a mama esquerda ser um pouquinho maior e mais volumosa do que a contra-lateral; nada de nódulos, tumores, adensamentos, retração da pele, etc.
Confirmei sua idade: 43 anos.
“Já é a terceira vez que ela faz esse exame, doutor. Na minha cidade, o médico diz que é importante fazer todo ano. Eu faço... todo ano!, doutor”, disse sua mãe, uma senhora de 64 anos.
Respirei fundo.
“Olha. O ministério da saúde recomenda fazer mamografia de rastreamento a partir dos 50 anos, de 2 em 2 anos. Sua filha não deveria nem ter feito esse exame, porque só tem 43.
“Ainda assim, o resultado do exame dela foi absolutamente tranquilo, com classificação BIRADS 2. Ou seja, alterações benignas. Além do mais, na avaliação clínica não palpei nódulos nem encontrei sinal algum que mereça preocupação. Sua filha não tem nenhum problema de saúde que precise de tratamento específico ou outros exames complementares”.
Instalou-se, seguido do meu último comentário, certo desconcerto, que motivou explicações, acompanhadas de mais explicações, convencimento e ampla argumentação. Até que elas sorriram - e eu soltei o ar - e nos despedimos em clima de alívio e efusividade. 
(Depois é que me veio uma vontade incontrolável de subir no primeiro avião, chegar naquela cidade, puxar esse médico mercenario pelo colarinho e.... 

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