A QUEIXA PRINCIPAL QUASE SEMPRE É O MENOS IMPORTANTE

“Que que cê tá sentindo?”
“Dor no pé. Às vezes incha”.
Tinha 27 anos, pesava 100 kg e seu IMC registrava mais de 40 kg/m2. Examinei, toquei, palpei, mexi, explorei. E nada. Nem sinal que ajudasse.
“Você acha que essa dor no pé pode ter alguma relação com seu excesso de peso?”.
Foi ouvir essa última palavra - PESO - e desabar feito avalanche. Tampou os olhos e chorou, copiosamente. Maquiagem borrou, olho ficou vermelho; engasgou, soluçou, logo silenciou.
“Por que você tá chorando?”, inquiri um pouco surpreso.
Trás um longo suspiro nasal, respondeu, renitente, ainda com a cabeça baixa: 
“É que ando muito ansiosa”.
“Com o quê?”, insisti.
“Meu filho tá com suspeita de autismo, perdi meu emprego recentemente e tô com muita saudade da minha mãe”.
“Onde ela tá?”.
“No Piauí”.
“E seu pai?”.
“Não conheci. Na verdade, nem conheci minha mãe. Essa que tá no Piauí é minha avó, que me criou. Aqui em Brasília, tô morando de favor na casa de uma tia, que, pra variar, tá brava comigo. Levamos 4 meses sem se falar”.
“Por que?”.
“Arrumei um namorado e levei ele pra morar comigo”.
“E então?” (sou curioso, admito).
“Ela não gosta dele (as lágrimas, qual neve gelada, continuavam a derreter). 
“O problema é que ele mexe com coisa errada, sabe?
“Tipo o que?” (ela fez cara de quem diria algo importante).
“Ele mexe com droga! Mas é trabalhador... O que me deixa mais indignada não é nem isso: é ele se comportar feito homem solteiro, postando altas paradas no face. Não me valoriza. Isso me destrói”.
“E por que cê não larga ele? Só te dá prejuízo...”, precipitei-me em vaticinar.
Ainda aos prantos, numa mistura de ódio e rancor de si mesma, sentenciou, dando por encerrada nossa catártica conversa:
“Nem sei se gosto dele. Nem amo ele. Mas tenho muito medo de ficar só”.

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