EXECUÇÃO DE MARIELLE
Pela manhã, um de meus tantos pacientes foi meu pai: quatro dias de dor de garganta, fraqueza, mialgia e rouquidão. Implorava por uma medida drástica, pois já não suportava estar impossibilitado de engolir saliva, nem sentir tanta dor. “Quero uma injeção”, disse em tom seco.
Pela primeira vez em meus 30 e poucos anos, o vi realmente debilitado, vulnerável, e que confiasse sua melhoria em meus cuidados provocou-me profunda satisfação. Simplesmente senti que todos os sacrifícios, perseverança, acertos e erros cometidos até ali, finalmente tinham valido a pena.
(...)
Pela tarde, um pivete ingressou à unidade de saúde correndo, ofegante, com cara de pânico, extremamente pálido e desorientado. Por um momento pensei que fosse alguém tomado por surto psicótico, pois andava só e alegava que perseguiam-no para matá-lo.
Um minuto depois, uns cinco brutamontes, salivando desespero, entraram pela mesma porta, descobriram-no na sala onde torpemente se refugiara e arrastaram-no para fora do recinto à base de tapas e ponta-pés.
No espaço do estacionamento privativo dos funcionários, instalara-se, subitamente, um cenário de guerra e selvageria. Chutes na cabeça, no peito e na barriga; desaforos, ameaças e condenações. Parecia que o diabo havia escolhido ali para aparecer.
O moleque, de 16 anos, havia cometido o imperdoável erro de roubar o celular de uma senhora por perto; era negro, franzino, ignorante, LADRÃO, e por tanto - diziam os juízes presentes - merecia morrer.
Houve aplausos, deboche, sede,
de vingança,
de sangue.
(...)
Só então compreendi, finalmente, o integral sentido do assassinato de Marielle.
Pela noite, uma crise inexplicável de choro no chuveiro.
Tem dias...
Que eu só queria
que meu coração
silenciosamente
deixasse de bater
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