RESIGNAÇÃO

Com duas passagens pela UPA e uma reprovação recente pela medicina do trabalho, chegou com a pressão arterial em 200/100 mmHg.
Relatava, ademais, uma gama de sintomas inespecíficos, que motivaram-me a conduzir a conversa por caminhos nada convencionais.
“Fui reprovada no exame da empresa e não vão renovar meu contrato; só quando minha pressão estiver controlada. Mas preciso muito desse emprego, doutor... Devo voltar pra fazer a avaliação semana que vem”.
(...)
“Tenho 6 contas de luz atrasadas. Já ligaram avisando que vão cortar. Da uns mil reais juntando tudo. Negociei e me disseram que devo dar uma entrada de pelo menos 400. Mas, sem esse emprego, não sei como vou fazer”.
Era evidente que sua subida de pressão tinha um forte componente psicossomático associado. Seus batimentos cardíacos estavam rítmicos, porém, um tanto acelerados. Problemas financeiros, contas pra pagar e a ameaça de perder o emprego eram os ingredientes perfeitos para mantê-la em níveis de estresse e ansiedade elevados, prejudicando consequentemente o controle de sua pressão. 
Pensei numa prescrição rápida e efetiva para sua crise hipertensiva: dinheiro no bolso, dívidas pagas e emprego garantido. Mas, como garantir essas questões básicas nesse país de Tuiuti?
Ajustamos doses e medicações, solicitei exames, pedi que tentasse se acalmar e relaxar, e que aproveitasse o carnaval para se divertir e sair um pouco da rotina.
Hoje voltou... Com a pressão em... 210/105 mmHg!! Decepção total para mim, como médico e cidadão. Mais frustrante ainda pela resignação franciscana com que concluiu suas palavras: 
“Já me conformei, doutor. Tem mais jeito não. Vou nem voltar na empresa pra fazer essa reavaliação. Peguei os remédios que o senhor passou fiado na farmácia de uma amiga. To pensando até em vender água no semáforo”.

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