CAMINHAR GAGUEJANTE
De um falar por pedaços, gaguejante – com pausas de vários segundos que deixam o interlocutor suspenso no ar –, vinha, nos últimos meses, apresentando piora considerável do seu quadro de dor nas costas, sobreposto a uma dor tipo fisgada na porção superior da perna direita, que quase não o permitia deambular.
Havia consultado com um especialista em coluna - engraçado como encheu a boca para falar essa palavra: E-S-P-E-C-I-A-L-I-S-T-A -, quem havia simploriamente diagnosticado hérnias de disco a nível de L3-L4 e L4-L5, ha 9 anos, e desde então havia lhe proposto tratamentos variados, sem resultados satisfatórios. Vinha tomando gabapentina, anti-inflamatórios e outros analgésicos opióides potentes, mas a dor e a impotência funcional só pioravam, impossibilitando-o já para o trabalho, pelo que propuseram-lhe uma cirurgia na coluna, a realizar-se em algumas semanas…
Ao final de uma das sessões de acupuntura que propus, sua forma de caminhar ao despedir-se intrigou-me. Mancava, de um jeito marcante, sem parecer estar relacionado à dor intensa que o dilacerava. Pedi que regressasse à maca do consultório, para examiná-lo novamente em maior detalhe. Terminei solicitando radiografias simples: da coluna lombar, do quadril e dos membros inferiores.
No retorno, ao abrir os envelopes com as chapas, fui tomado por um êxtase, quando as coloquei no negatoscopio e confrontei os laudos: “perna esquerda QUASE 3 CM MAIS CURTA que a direita, sinais importantes de desgaste e artrose da articulação do quadril direita, e escoliose considerável da coluna lombar”!
Havia nascido com uma perna mais curta do que a outra, e levava mais de 50 anos apoiando todo o peso do corpo na perna mais longa, sobrecarregando a articulação do quadril desse lado; ao tempo que produzira mudanças posturais adaptativas, entortando a coluna, para compensar o eixo de gravidade. A escoliose, por conseguinte, gerara pontos de tensão que ao longo do tempo favoreceram herniações dos discos intervertebrais.
Foi uma sensação melhor do que ter ido à lua! Ele acompanhou meu raciocínio, e meu espanto, boquiaberto; as palavras definitivamente perderam-se dentro dele, escorregando em tobogã pelo esôfago, dada a gaguice acentuada pelo entusiasmo da revelação. Como não as encontrava, levemente foi soltando um sorriso, sem graça, longo, sarcástico, enquanto balançava a cabeça a golpes curtos, para cima e para baixo.
Foi como se sua vida, finalmente, voltasse a fazer algum sentido.
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