FEMINISMO E A MEDICALIZAÇÃO DA VIDA
Assim como a ordem militar, a jurídica e a religiosa, a Instituição Médica (aquela encarregada de classificar as pessoas em normais ou anormais) é também instrumento à serviço da sociedade industrial capitalista para garantir sua vigência e perpetuação de classe.
Nao é casual que, paralelamente ao crescimento das demandas civis e da luta por direitos das mulheres, tenha florecido tão assustadoramente a indústria médica ginecológica e a medicalização de cada centímetro de sua existência. Nenhum outro ser teve sua vida tão violentada, medicalizada e seus fenômenos biológicos e fisiológicos tão patologicamente transformados.
O calvário começa com a inocente primeira menstruação. A simples menarca já é motivo para uma consulta médica inicial, na qual se solicitam exames diversos e muitas vezes já são prescritos hormônios para regular o ciclo menstrual da inocente menina (normalmente irregular nos tres primeiros anos que se seguem).
A menopausa (cesse da menstruação e da vida reprodutiva, condição natural associada ao envelhecimento), foi convertida em irremediável enfermidade. Medicalizam-se todos os sintomas, mede-se todas as taxas hormonais, prescreve-se ansiolíticos, antidepressivos e frequentemente hormônios para que a mulher teoricamente não envelheça e continue tendo saúde.
A descoberta do seu corpo e suas primeiras aventuras sexuais, ao contrário dos homens, não são celebradas. Por vezes são motivos de consulta. Vemos até pais e mães insensíveis que ainda hoje expõem suas filhas ao ridículo de terem sua virgindade atestada por um médico.
Aliás, sua sexualidade e vários temas ainda pouco compreendidos, de alta complexidade sociocultural, são ainda encarados como doenças. A última versão do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V) inclue em sua lista o: transtorno de interesse/excitação sexual feminino (CID= F52.22) e o transtorno orgásmico feminino (CID= F52.31).
A gravidez foi terminantemente transformada em padecimento de alto risco. Pede-se tantos exames, no primeiro, segundo e terceiro trimestres; solicita-se tantas ecografias, fazem-se tantas consultas, prescreve-se tantos remédios, vitaminas e outros, que chegamos a duvidar se realmente se trata de uma condição não patológica.
O parto natural (vaginal) passou a ser visto como "de risco" e o cirúrgico (cesárea) como o mais "recomendavel". Momento historicamente do universo feminino (homens nao podiam participar dos partos até poucas décadas atrás), agora do domínio e da dinâmica masculina. Se as parturientes gritam ou se queixam, as mandam calar ou soltam o "na hora de fazer foi bom, agora aguenta". Médicos impacientes injetam oxitocina (hormônio que intensifica as contracões uterinas) para acelerar o processo; sobem em cima de suas barrigas para empurrar o bebê ou mutilam suas vaginas com as perversas episiotomias, na maioria das vezes desnecessárias.
Violentar sua intimidade tornou-se habitual. Citologias (papanicolau) são solicitadas com tanta frequência que as tornam inúteis (e quem mais se beneficiaria com esse exame são as mulheres que menos conseguem fazê-lo: moradoras de rua, prostitutas, presidiárias…). Expomos seus corpos com tanta frequência a radiações (mamografias), que o objetivo parecera realmente encurtar suas vidas. É cada vez mais sólida a evidência de que essas intervenções têm impacto duvidoso sobre a qualidade, mortalidade e expectavia de vida das mulheres.
Sem falar nas ecografias transvaginais (introduzindo um transdutor, um objeto alongado, em suas vaginas), que muitos médicos solicitam como rotina, de forma indiscriminada, estando elas assintomáticas, cada 6 meses ou 1 ano.
Cistos funcionais de ovário, miomas uterinos inofensivos, envelhecimento ósseo (osteopenia, artrose), artrites e problemas de tireoide inexistentes, fibromialgias mirabolantes, são outros rótulos usados para afastá-las da masculina normalidade.
Instituiu-se até a TPM como doença que pode ser medicalizada! O planejamento familiar e a contracepção recai especialmente sobre elas. As convertemos em usuárias eternas de hormônios, provocando uma verdadeira castração química de sua existência, que transformam profundamente seus corpos e as colocam em risco de padecerem dezenas de doenças. Definitivamente, toda a estratégia da instituição médica parecera ter como objetivo primordial retirar das mulheres o direito de se sentirem normais e saudáveis.
Nao é casual que esse modelo médico altamente intervencionista, preventivista, contraproducente, promovido por essa sociedade capitalista e patriarcal, tenha inventado e ensinado às mulheres tantas formas distintas de se sentirem anormais e doentes. É justamente isso que essa sociedade machista deseja: enclausurá-las nos consultórios médicos, na filas dos hospitais, pronto-socorros e postos de saúde, expondo-se a riscos excessivos e desnecessários; ou envenenando-se e gastando-se em hormônios, ansiolíticos, antidepressivos, analgésicos e outros remédios.
Porque é isso que a medicalização de suas vidas pretende: tirar-lhes o PODER sobre si mesmas, sua autonomia e sua disposição de luta.
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