O FASCÍNIO DO ALIMENTO-MERCADORIA
Sejamos francos. O privilégio de comer por prazer se restringe, infelizmente, aos que tem comida na mesa, e tem sobrando. Quem passa fome, ou vive cercado pela escassez, nem tem tempo de se dar ao luxo de conceber o ato de se alimentar vinculado ao prazer estético e à satisfação dos sentidos. Trata-se de uma necessidade vital, de sobrevivência, instintivamente regulada.
Há somente 10 mil anos inventamos a bendita da agricultura, que possibilitou vida sedentária, prosperidade de civilizações e a diferenciação de uma parcela da população que podia viver do excedente de alimentos. Antes disso (o homo sapiens existe há pelos menos 160 mil anos), quando éramos somente Povos da Terra (nem superiores nem melhores que os demais seres viventes), comíamos simplesmente o que encontrávamos, sempre com profunda reverência e sentido de gratidão à Pachamama (Mãe-Terra).
Comer, engolir, assim como beber água, respirar, se reproduzir, são ações ancestralmente e instintivamente reguladas. Comer por prazer, apenas para satisfazer o paladar, só começou então a ser possível, na minha opinião, com o surgimento das sociedades de classe, que, ao longo do tempo, vêm utilizando a distinção dietética como instrumento para demarcar posições culturais e sociais.
Com a intensa industrialização iniciada em meados do século XIX, fez-se possível elevar o nível de consumos de alimentos da grande maioria da população. Esse aumento incrível da disponibilidade de alimentos, refinados, conservados e saborizados artificialmente, que condicionam fortemente o paladar, fez crescer, estimulado pela propaganda e o marketing das grandes empresas (que se converteram em poderosas corporações multinacionais), a ligação do ato de comer à ideia hedonista da satisfação dos sentidos e do prazer, para estimular o consumo crescente das massas e impor o estilo de vida mais conveniente ao mercado.
Ao mesmo tempo que se expandiam e se consolidavam as sociedades capitalistas industriais, floresciam as concepções hedonistas, o egoísmo e o individualismo (marcadores culturais da civilização ocidental moderna), que vinculam o sentido da vida à satisfação dos sentidos e do prazer individual, sem importar as consequências ambientais, políticas, sociais; sem conexão com o universal, o mitológico, o ritualístico, o ancestral.
Resultado de tudo isso? Explosão das doenças crônico-degenerativas! Vamos continuar comendo cegados pelo ímpeto do prazer, somente pensando em satisfazer o paladar? A indústria alimentícia-farmacêutica agradece!
Para mim, o caminho é DESCONDICIONAR o paladar e voltar aos braços da Mãe-Terra.
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