13

Com apenas 37 anos, gestava, para cumprimento de desapercebidos propósitos, pela 13ª vez. Era isso mesmo, apesar de meu espanto e incredulidade: tivera 11 filhos - todos de partos normais -, um aborto espontâneo, e preparava-se para receber, às vésperas das eleições, outro rebento mais. 
A primeira gestação acontecera aos 13 anos da idade, ao ser "enganada" por um homem mais velho de 35, no meio do milharal. Seu pai, homem antigo, embrutecido pelo cabo da enxada, empurrara-na desde cedo para trabalhar na roça, enquanto seus irmãos saíam ao povoado mais próximo para estudar. Era ela quem cuidava de tudo, motivo pelo qual, até hoje, permanecia analfabeta. Só sobrevive em Brasília, esclareceu - aqui no setor de chácaras da Samambaia -, graças ao auxílio de 240 reais que recebe mensalmente pelo CRAS.
Passaram por sua vida três homens, com os quais casou-se e morou junto. Nenhum deles paga pensão. O último perdera-se pelo interior do Goiás, sem que a justiça pudesse jamais encontrá-lo para entregar-lhe a intimação. 
No ano corrente, já é avó orgulhosa de 4 netos. De seus 11 filhos, todos vivos, e alimentados, para a honra e glória do senhor, 7 são mulheres. 
"Em quem vai votar?", inquiri, curioso, no fim da consulta. Arregalou os olhos, e respondeu com esperada voz de desesperança. "Não sei, doutor. Nunca vi nenhum político defender meu direito de fazer uma laqueadura. Tenho 10 anos tentando. Toda vez que tento não dá certo. Quando chego no cartório, para reconhecer firma, tenho problemas, porque sou analfabeta". "Mas analfabeta também tem direitos, ou não? Analfabeto também paga impostos!", sentenciou. 
Concordei. E aproveitei esse momento para detalhar-lhe com calma o rosto: manchado, queimado, sofrido, mas forte, resignado, potente. De quê é feita essa raça de mulheres brasileiras?, pensei. De qual estirpe, qual sangue, qual fibra? Onze filhos, e seguia decidida, pontiaguda, sem tempo para rodeios ou lamentações, pese às violências do passado, e seu pesaroso destino. 
Sua única queixa, recordo, era de uma das filhas - agora com justos 13 anos -, que insistia em percorrer o mesmo caminho amassado e azarento que o dela. Já queria namorar, e enchia a boca para argumentar desse direito, trazendo à tona a precocidade obrigatoria e indignada de sua mãe. Era isso que a atormentava, qual praga; nem força tinha para dar-se conta da barriga que crescia ali embaixo, indiferente. Só não queria, de jeito nenhum, que a filha namorasse, tão cedo; não podia, de jeito nenhum, permitir a história se repetir. Queria, de todo jeito, que ela estudasse, resguardada das investidas desembestadas do mundo, para ver se ela conseguia, contrariando sua sina e a de muitas: salvar-se das tragédias repetitivas desse país.

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