MEU MARIDO NÃO FUNCIONA

Abri a porta, e senti seu perfume. Chamei seu nome. Brecelete de prata, cabelo negro ondulado, até o ombro, brincos vistosos, decote convidativo. Olhos delineados - feito jabuticabas -, labios carnudos... Foi logo dizendo a que veio, sem nem esperar eu sentar.
- Doutor, preciso que você me ajude, pelo amor de Deus; senão vou enloquecer. Meu marido está fugindo de mim. 
Com uma habilidade extrema de concetar um detalhe no outro, prolixa, desatou a falar, intempestiva, fazendo o tempo da consulta literalmente voar, suspensa por um fio. Tentei direcionar a entrevista, mas, ela, desatinada, veloz, encarregou-se de simplesmente conduzir-me pelos caminhos previamente traçados por sua prodigiosa cabeça.
- Tem dois meses que casamos, doutor. E o homem não funciona! NÃO FUNCIONA! Fomos de lua de mel - 10 dias na beira da praia - e não tivemos sexo, cê acredita?
- Quantos anos a senhora tem?, perguntei, com a sensação de ser o mais antiquado dos médicos da terra.
- 61.
- E ele?
- 49...
"Eu conhecia a família dele, sabe; até estranhei deles me empurrarem esse homem assim, tão facil. Eu tava sozinha, carente. Aceitei. Mas, agora já sei. Me empurraram um pepino, com casca e tudo. Mas... vou aguentar isso nem, doutor. Tenho que me valorizar. Se não der certo, peço para cancelarem o casamento. A vida está perdendo sentido."
"Outro dia, estávamos assistindo filme, em casa, naquele clima... O senhor sabe?! Fui com a mãozinha devagar na calça dele... Sabe o que ele fez? Deu um tapa na minha mão, e disse que não queria, meio emburrado. Onde já se viu? Ser trocada por pipoca, cerveja e fita cassete."
"Semanas atrás, não aguentei: resolvi atacá-lo. Abracei ele forte, na cozinha, e comecei a beijar seu pescoço, com toda vontade. Ele ficou sem jeito, e começou a fazer como quem ia gritar, pra todo o edifício ouvir. Eu disse "Grita, grita, grita mesmo. Pros vizinhos perceberem que tem um homem louco aqui dentro".
- Tem outra coisa, doutor: ele só quer fazer numa posição."
- Em qual? (a essas alturas, era mais um vizinho fofoqueiro, com o ouvido colado na parede do apartamento, do que médico em um consultório).
- Feito animal, por trás. Mas acho que é porque tem o pinto pequeno.
(gargalhei)
- Já tentaram fazer sexo sem penetração?, perguntei, com intenção de retornar a meu pretendido papel original, de cuidador (ou pelo menos tentar).
- Como assim, doutor. Com quê graça?
- Poderiam tentar de outras formas, sem essa obrigação. De repente ele fique menos ansioso, e as coisas fluam melhor. 
"Me ajuda, doutor. Dá um puxão de orelha nele. Encaminha pra psicologa. Pede pra ele fazer exercícios físicos. Examina a próstata. Passa uns remédios. Diz pra ele trabalhar menos (Se refugia no trabalho, sabe?). 
"Ele vem consultar daqui a pouco. Só quis vir antes pra te alertar sobre essas coisas..."
"Eu sou uma pessoa muito tranquila, viu, doutor."
"Certo..."
-Ahhh! Tem outro detalhe, muito importante (e aproximou-se da mesa, como quem vai revelar um grande segredo).
"Nos exames de sangue que ele fez, deu problema de colesterol"

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