SETEMBRO AMARELO

1. O diagnóstico de depressão, TAG, etc..., por um lado, favorece ao paciente melhor conhecimento sobre seu “problema”, mas, por outro, estimula o fenômeno da Personificação, contribuindo para que a pessoa incorpore o “Papel Social de Doente”, e se enxergue, não mais como qualquer ser humano que sofre, mas como um excepcional ser desajustado, estranho, gravemente enfermo, obrigado, inconscientemente, a comportar-se segundo o rótulo que lhe impuseram.​
2. Esse tipo de diagnóstico transfere para o indivíduo toda a culpa de problemas estruturais da sociedade, da família, do ambiente, e até da época, contribuindo para o perverso caminho da autopunição. Transformar em doenças o jeito particular de cada um ser e estar nesse mundo, na minha opinião, traz mais prejuízos do que benefícios a médio e longo prazo.
3. Precisamos redefinir o padrão de “normalidade” e resignificar o papel do sofrimento. Tristeza, melancolia, dor, ansiedade, incerteza, dúvida, luto, falta de propósito de vida, raiva, indignação, frustração, decepção são sentimentos que nos acompanharam desde sempre, e, agora, na contemporaneidade, ainda com mais força, pelas características peculiares da época. O sofrimento (raiva, ódio, indignação, tristeza) não precisa ser sempre negativado, como dita nossa cultura ocidental; ele pode ser um caminho que nos conduza ao amadurecimento e à (auto) transformação. Não precisamos temê-lo, negá-lo, nem sentir-nos culpados, ou enxergar-nos como pessoas doentes por isso, por sofrer.
4. Precisamos transcender essa obrigatoriedade pós-moderna de Ser Feliz, principalmente nesse contexto urbano neoliberal e globalizado, consumista e narcisista. Isso gera ansiedade, culpa e autopunição, por uma simples razão: é impossivel ser Feliz a todo momento.
5. Precisamos compreender e intervir sobre essas questões com mais paciência, sem pressa, com parcimônia, sem ceder às fortes pressões da indústria farmacêutica, que empurra médicos e pacientes em direção ao alargamento das fronteiras diagnósticas da psiquiátria (a esse ritmo, não sobrará ninguém considerado NORMAL). Essa leviandade, esse apuro, tem levado pessoas a saírem de consultorios médicos, já na primeira consulta, com prescrição de um ou dois remédios psiquiátricos, sem terem sido antes encorajadas sobre outros recursos de tratamento.
6. É preciso esgotar o arsenal terapêutico tido por “alternativo”, antes de optar pelas drogas psiquiátricas. Um bom acolhimento, com empatia, sem medos ou julgamentos, com um profissional capacitado, na maioria das vezes, já muda consideravelmente o prognóstico. Precisamos inverter a ordem de recomendações. Primeiro, investir toda a energia em tentar vincular a pessoa a um Plano Terapêutico Baseado em atividades físicas, afastando-a da situação estressante, se possível; ajudar a pessoa a sair da rotina, a descansar, relaxar, sem se preocupar tanto com o futuro e os sintomas imediatos; que faça psicoterapia, massagem, yoga, acupuntura, melhore sua expressividade artística, deguste boa música, dance, e incursione pelo caminho do autoconhecimento, e, sobretudo, da AUTO-ACEITAÇÃO. Só depois de haver transitado com seriedade por esses caminhos, deveriamos cogitar outros recursos terapêuticos como as drogas, na minha opinião.
7. Vários estudos comprovam que drogas antidepressivas não obtêm melhores resultados do que placebos ativos.
8. Diversas drogas antidepressivas aumentam a chance de suicídio (informação ocultada pela indústria) e aumentam a possibilidade de Transtorno Bipolar.
9. As drogas químicas ajudam a “cronificar” as “doenças” (deixam de ser um evento episódico, momentâneo da vida – como na maioria das ocasiões -, para tornar-se uma doença crônica que acompanhará o indivíduo para o resto dela). Essas substâncias também diminuem a libido sexual e engordam (esses dois efeitos colaterais para mim são os piores, principalmente para quem está imerso nesse ciclo vicioso de melancolia/abulia/baixa-autoestima); causam diminuição da capacidade de concentração, déficit cognitivo, produzem sensação de alheamento (faz parecer que você é outra pessoa), induzem indiferença, apatia, anedonia (péssimo para quem depende do raciocinio, quem tem vida acadêmica, ou precisa lidar com metas), aumentando, contraditoriamente, a taxa de recaídas a longo prazo.
10. Precisamos falar com URGÊNCIA sobre DEPENDÊNCIA QUÍMICA às drogas antidepressivas e ansiolíticas, problema crescente e alarmente da contemporaneidade. Drogas deveriam ficar reservadas somente para casos graves (quase nunca para leves e moderados, salvo exceções muito bem avaliadas, em decisão compartilhada). 
11. Precisamos questionar o paradigma biologicista dominante. Pretendemos resolver enigmas extremamente complexos do ponto de vista individual, comportamental, filosófico, moral, ético, familiar e social, com soluções simplistas e estandarizadas. Se substâncias químicas “curassem” esse tipo de sofrimento e desajuste, eles já teriam desaparecido da face da terra. O que as drogas e medicamentos antidepressivos fazem é MODULAR o sofrimento, tratar alguns sintomas; não curam a “doença”, a expensas de péssimos efeitos colaterais, como, por exemplo, aumentar nossa tolerância à REJEIÇÃO, interferindo, ao mesmo tempo, em nossa capacidade de aprendizado e crescimento empírico (adquirir experiência de vida).
12. Essas campanhas de meses coloridos contribuem muito mais, ao meu ver, para o incremento de diagnósticos e tratamentos mal feitos e apressados - baseados no paradigma da MEDICALIZAÇÃO -, do que para a melhoria e melhor compreensão desse tipo de sofrimento.
13. Na minha opinião, depressão, cujo desenlace final pode chegar ao suicídio, é um dos problemas mais incompreendidos da atualidade. Entendo o que chamam de “depressão” como uma forma anômala e particular que certos indivíduos desenvolvem para comunicar-se e interagir consigo mesmo e com o outro; não compreendo esse tipo de sofrimento/linguagem como uma enfermidade biológica propriamente dita, que se concerta (cura) com drogas químicas (que podem até ajudar, a curto e médio prazo, nos casos mais graves, por criarem, junto com os terapeutas e familiares, um ambiente de segurança). 
14. O desafio primordial continua sendo compreender as dimensões profundas desse tipo de sofrimento/desajuste e o que essas pessoas tanto tentam nos dizer (é comum muitas delas expressarem, angustiadas, o seguinte pensamento: NINGUÉM ME ENTENDE). 
15. Para isso, é preciso estabelecer vínculo humano real e efetivo com alguém (coisa que escasseia assustadoramente por esses tempos líquidos, seja com médicos, terapeutas, familiares, namorados ou amigos); que haja empatia verdadeira, compaixão, e afeto, muito afeto: sem cobrança, rótulos, estigmas, culpa, julgamento ou (auto) punição.​

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