ANTES MORTO DO QUE CÚMPLICE

Entrou à consulta desajeitada, com seus dois meninos. O motivo da visita do menor, com tão só 1 ano e 7 meses, era fraqueza e moleza no corpo, associado a um quadro mal definido de febre. 
Reparei-lhe o rosto demacrado, e o valor de seu peso corporal registrado no prontuário atraiu minha atenção: apenas 7 kg, o peso ideal aproximado de uma criança saudável de 6 meses de vida.
Perguntei a idade da mãe: 22 anos. Desempregada, há muito tempo, sobrevivendo graças ao escasso valor que recebe do bolsa família. Confessou-me não ter nesse momento nada para comer dentro de casa, enquanto seus pequenos me observavam com cara de espanto e olhinhos arregalados.
Eu que sei como o coração se me apequena sem refúgio quando ausculto em meus pacientes as injustiças desse mundo; só eu sei da avalanche que me invade. O estômago logo embrulha, e a pressa por terminar a consulta se perde, restando apenas a vontade de sair com eles por aí cobrando solução. 
Diante disso, tem gente ainda que me pede indiferença, distanciamento, com ares de refinamento e solenidade.
Jamais! Jamais! Jamais! Antes morto do que cúmplice.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

MOURÃO, MOURÃO

PERCURSO